Em síntese: O então Cardeal Joseph Ratzinger (hoje Papa Bento XVI) quando era Prefeito da Congregação da Fé, deu uma entrevista ao jornalista Vitório Messori, (“Rapporto sulla Fede”) que foi publicada no Brasil com o título de “A Fé em Crise?: o Cardeal Ratzinger se Interroga” (Editora Pedagógica e Universitária, EPU, 1985). Entre muitas coisas importantes ensinadas pelo atual Papa, ele coloca seis motivos para não esquecer a Virgem Maria; segundo ele são os pontos nos quais a função da Virgem Maria, de equilíbrio e totalidade se mostra clara para a fé católica. É o que publicamos a seguir.
1) Reconhecer a Maria o lugar que a tradição e o dogma lhe atribuem significa permanecer profundamente radicados na cristologia original (Vaticano II: “A Igreja, pensando nela com piedade filial e contemplando-a à luz do Verbo, feito homem, com veneração penetra mais profundamente no altíssimo mistério da Encarnação e vai-se conformando sempre mais ao Seu esposo”, Lumen Gentium, nº 65).
É, aliás, ao serviço direto da fé em Cristo, e não, portanto, em primeiro lugar por devoção à Mãe, que a Igreja proclamou os seus dogmas marianos: inicialmente a virgindade perpétua e a maternidade divina e, a seguir, após um longo amadurecimento e reflexão, a conceição sem mácula do pecado original e a assunção ao céu. Esses dogmas servem de amparo à fé autêntica em Cristo, como verdadeiro Deus e verdadeiro homem: duas naturezas em uma só Pessoa. Servem de amparo também à indispensável tensão escatológica, indicando em Maria assunta o destino imortal que a todos nós espera. E servem de apoio também para a fé, hoje ameaçada, em Deus criador que pode livremente intervir também sobre a matéria. Este é, entre outros, um dos significados da hoje e mais do que nunca incompreendida verdade sobre a virgindade perpétua de Maria. Numa palavra, como recorda, também o Concílio: “Maria, pela Sua participação íntima na história da salvação, reúne e reflete, por assim dizer, os dados máximos da fé” (Lumen Gentium, nº 65).
2) A mariologia da Igreja supõe o justo relacionamento e a necessária integração entre Bíblia e Tradição. Os quatro dogmas marianos têm o seu claro fundamento na Escritura. Temos aqui como que um gérmen que cresce e frutifica na vida cálida da Tradição, assim como se exprime na liturgia, no sentimento do povo fiel e na reflexão da teologia guiada pelo Magistério.
3) Precisamente em sua pessoa de jovem hebréia feita Mãe do Messias, Maria une de modo vital e, ao mesmo tempo, inseparável, o antigo e o novo povo de Deus, Israel e o Cristianismo, Sinagoga e Igreja. Ela é como que o traço de união sem o qual a fé, como acontece hoje, corre o risco de perder o equilíbrio, fazendo com que nós recolhamos o Novo Testamento no Antigo, ou que nos desfaçamos do Antigo. Nela, no entanto, podemos viver a síntese da Escritura inteira.
4) A correta devoção mariana assegura à fé a convivência da indispensável “razão” com as igualmente indispensáveis “razões de coração”, como diria Pascal. Para a Igreja, o homem não é apenas nem somente sentimento, [nem só razão] ele é a união dessas duas dimensões. A cabeça deve refletir com lucidez, mas o coração deve poder ser aquecido: a devoção a Maria “livre de qualquer falso exagero, mas também isenta de uma estreiteza de mente que não considere a singular dignidade da Mãe de Deus”, como recomenda o Concílio, assegura à fé a sua dimensão humana completa.
5) Para usar exatamente as expressões do Vaticano II, Maria é “figura”, “imagem” e “modelo” da Igreja. Assim, olhando para Ela, a Igreja defende-se daquele modelo machista de que falava antes e que a vê como instrumento de um programa de ação sócio-política. Em Maria, sua figura e modelo, a Igreja reencontra o seu rosto de Mãe, e não pode degenerar em uma involução que a transforme em partido, numa organização, num grupo de pressão ao serviço de interesses humanos, ainda que nobilíssimos. Se em certas teologias e eclesiologias Maria não encontra mais lugar, a razão é simples: elas reduziram a fé a uma abstração. E abstração não tem necessidade de Mãe.
6) Como seu destino, que é ao mesmo tempo de Virgem e Mãe, Maria projeta continuamente luz sobre aquilo que o Criador quis para a mulher de todos os tempos, inclusive o nosso. Ou melhor, sobretudo o nosso, em que, como sabemos, é ameaçada a própria essência da feminilidade. A Sua Virgindade e a Sua Maternidade enraízam o mistério da mulher num destino altíssimo, do qual Ela não pode ser deslocada. Maria é a intrépida anunciadora do Magnificat, mas é também aquela que torna fecundo o silêncio e o escondimento. É aquela que não teme ficar ao pé da cruz, que, como realça várias vezes o evangelista, “conserva e medita em Seu Coração” o que acontece ao seu redor. Criatura da coragem e da obediência, é, hoje e sempre, um exemplo para o qual todo o cristão, homem e mulher, pode e deve olhar.
Eduardo Gomes, professor pós-graduado em Ensino Religioso
“Totus tuus”, Maria!
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