"Então o Diabo lhe disse: 'Se és o filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito..." (Mateus 4,5).
A Sagrada Escritura é uma lâmpada que ilumina o nosso caminho para a Casa do Pai (Salmo 119,105), porém, quando mal utilizada, pode nos levar inúmeros erros. Assim, a Escritura, só, não pode ser a única fonte de fé. Por outro lado, a Tradição Oral e o Magistério da Igreja só tem sentido se fazem eco à Sagrada Escritura. A Tradição oral remonta ao próprio Cristo e aos Apóstolos. Ela é anterior à Escritura e se exprime nela. O ponto em que mais aparece a necessidade de algo anterior à Escritura, é a que se refere ao Cânon Bíblico: Como saber se um livro é ou não inspirado?
O próprio protestantismo, que afirma só reconhecer a Escritura, recorre necessariamente à Tradição Oral em 2 ocasiões:
Sem a Tradição oral, não se pode definir o catálogo sagrado, pois em nenhuma parte da Escritura está escrito quais os livros que, inspirados por Deus, a devem integrar. É preciso procurar a definição dos livros sagrados fora da Escritura: na Tradição. Ora, Lutero e o Protestantismo recorreram à tradição dos judeus da palestina, enquanto a Igreja Católica, seguindo o uso dos Apóstolos, optara pela tradição dos judeus de Alexandria.
Na sua maneira de interpretar a Bíblia, os protestantes também recorrem a uma tradição, pois, embora o texto bíblico seja o mesmo para todas as denominações evangélicas, estas não concordam entre si, por exemplo, no que toca ao Batismo de criança, à observância do sábado ou do domingo, etc. As divergências não provêm do texto bíblico, mas da interpretação dada a este texto por cada fundador. Ou seja, dependem da tradição oral ou escrita que cada fundador quis iniciar na sua congregação. Assim, embora queiram rejeitar a Tradição Oral, o cristão a professa sempre: professa a Tradição oriunda de Cristo e dos Apóstolos, ou a tradição oriunda de Lutero, Calvino... Cada "profeta" protestante faz o que Lutero fez: rejeita a tradição protestante anterior e começa uma nova tradição: sim, lê a Bíblia ao seu modo e dela deduz proposições de fé e de moral que, segundo a sua intuição humana falível, lhe parecem mais acertada.
O profeta Amós anunciou (8,11): "Chegará o dia em que Deus mandará fome sobre a terra; não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir a Palavra de YHWH”. Como esta fome de ouvir a Palavra de Deus é inerente à natureza humana, que deseja conhecer o seu Criador, devemos, nesta busca, estar atentos às infinidades de doutrinas errôneas inventadas pelo homem, que tenta baseá-las na Bíblia mal-interpretada. Já o apóstolo Pedro advertia em 2Pedro 3,16, que haveria quem viesse a torcer o seu ensino para sua própria perdição.
Alguém disse: "Da Bíblia mal-intepretada pode se extrair até petróleo"...
Joseph Smith, fundador dos mórmons, baseando-se na ordem divina de Gênese 1,22 e 35,11 ("crescei e multiplicai-vos"), aprovou a poligamia.
Joseph F. Rutherford, 2º líder mundial dos Testemunhas de Jeová, apoiou a já conhecida recusa às transfusões de sangue, que tantas mortes causou entre eles, a partir do texto de Atos 15,20, quando a Igreja proclamou uma ordem transitória e circunstancial de vir a abster-se do sangue.
Os líderes dos Adventistas do 7º Dia, utilizando Êxodo-20,8 ("recorda-te do dia de sábado para santificá-lo"), obrigam os seus adeptos a observá-lo como faziam os judeus do Antigo Testamento e rejeitam o domingo, o "Dia do Senhor", próprio dos cristãos.
Os cristãos fundamentalistas (Igreja da Fé em Cristo Jesus e outras da mesma linha doutrinária), lendo Atos 8,16 ("unicamente tendo sido batizados em nome do Senhor Jesus"), dizem que os cristãos devem ser batizados apenas em nome de Jesus e não no nome das Três Pessoas da Santíssima Trindade, muito embora esta seja a ordem expressa de Cristo em Mateus 28,19.
A grande maioria das Igrejas Cristãs Evangélicas, citando Romanos 3,28 ("concluímos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da Lei"), proclama que a justificação (salvação) é obtida somente pela fé sem obras, em oposição ao que diz Tiago 2,26.
Entre os pentecostais, têm surgido casos de pessoas virem à falecer - principalmente crianças - em razão de seus pais não recorrerem ao médico para tratar das suas doenças, já que crêem que, segundo Lucas 8,48, tudo pode ser curado apenas pela fé e as orações. No entanto, os judeus - o povo da Bíblia - recorriam aos médicos (Eclesiástico 39); e entre os apóstolos, havia um médico eminente: São Lucas (Colossenses 4,14).
Em San Luis Potosi, numa comunidade de pessoas que seguia esta linha doutrinária, algumas morreram ao inalar gas butano. O pastor lhes dizia que se tratava da ação do Espírito Santo (Heraldo de Chih, 1° de janeiro de 1992).
Os seguidores da urinoterapia (=beber da própria urina), justificam esta prática no texto de Provérbios 5,15 ("toma a água da tua própria fonte")!
As práticas mais absurdas podem ter apoio na Bíblia mal-interpretada; citar todas seria interminável. O próprio Diabo se valeu desta técnica para inutilmente tentar derrubar Jesus ("Então o Diabo lhe disse: 'Se és o filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito..." [Mateus 4,5]).
Para evitarmos ser vítimas destes e de outros danos tão terríveis, leiamos a Sagrada Escritura sempre seguindo a interpretação do Magistério da Igreja Católica, a quem Jesus conferiu esse ministério (Lucas 10,16) e não o que é proclamado à margem deste.
Eduardo Gomes, professor pós-graduado em Ensino Religioso.
"Há homens cuja fraqueza de inteligência não lhes permitiu ir além das coisas corpóreas" (São Tomás de Aquino).
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